Pesquisar este blog

terça-feira, 5 de julho de 2011

"PEC Evangélica" (PEC 33/2011)

Proposta de Emenda a Constituição 33/2011 so Deputado Nazareno Fonteles do PT/PI pretende “que o Congresso Nacional passe também a poder sustar atos normativos viciados emanados do Poder Judiciário, como já o faz em relação ao Poder Executivo.”

Dá nova redação ao inciso V do art. 49 da Constituição Federal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O inciso V do art. 49 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art.49………………………………………………………..………………………………………………………………….V – sustar os atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

……………………………………………………………..

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.


Diante da Proposta de Emenda Constitucional acima, passo a esclarecer alguns pontos:

O Deputado que propôs tal Emenda Constitucional agiu sob o calor das emoções e de suas convicções religiosas.

1. Breve Digressão Histórica
Quando Montesquieu estabeleceu três poderes em sua obra-prima "O Espírito das Leis" ele estava aperfeiçoando o modelo Grego onde havia a Ágora (Assembleia) que elegia dentre os seus membros a Boulé (órgão de direção e Administração, cujo líder era eleito para mandato de um dia). Além desses dois poderes, havia o conselho de Magistrados, formado pelos mais antigos funcionários, que exercia o poder de julgar.
Hoje o modelo parlamentarista é parecido com o grego, há o parlamento que, dentre seus membros elege o primeiro-ministro e os demais ministros que formarão o gabinete.
Quando Montesquieu criou e distinguiu três poderes com funções limitadas e específicas, ele pretendia compartilhar o poder em três mãos, para evitar que o poder permanecesse com um só grupo. Segundo o francês, o poder Executivo administraria as contas públicas, proveria os serviços essenciais e cuidaria da segurança pública e defesa nacional do estado. Já o legislativo apenas redigiria as leis que autorizariam o funcionamento da administração, que ficaria incumbida de regulamentar as leis produzidas pelos legisladores. O Judiciário por sua vez, observaria a legalidade dos atos do Legislativo e do Executivo e analisaria sua adequação ao Contrato Social (Constituição).

2. Os Três Poderes na Atualidade
Hoje em dia, quem citar apenas Montesquieu demonstrá ser pouco conhecedor das teorias e pesquisas contemporâneas. Depois de Montesquieu vieram os Federalistas, que criaram o modelo presidencialista e federativo dos Estados Unidos. James Madison, Alexander Hamilton e Jon Jay foram os três pensadores que repensaram os três poderes e mostraram que eles não poderiam trabalhar em áreas distintas. Na verdade eles são harmônicos e interagem entre si através dos freios e contra-pesos (Checks and Balances). O que isso quer dizer? Quer dizer que um poder interferirá no outro desde que a Constituição autorize e desde que um esteja extrapolando a competência do outro. Tudo isso aos olhos da Suprema Corte.

E para não ficar em 1789, o jurista Bruce Ackerman, professor da Universidade de Harvard já demonstrou com métodos sofisticados que os poderes não podem funcionar totalmente distintos e separados, eles compõem o Poder e precisam se relacionar.

Feita essa pequena digressão histórico-teórica, passo a entrar no mérito da questão. Passemos a analisar o que passará a constar no incisco V do art. 49 da Constituição:

  • Como é:
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

  • Como querem que seja:
V - sustar os atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

3. Parecer
Em primeiro lugar, ao se observar a teoria sobre os três poderes e ao se deter a uma leitura mais precisa do texto constitucional e dos juristas constitucionalistas, no nosso processo legislativo o Poder Executivo pode legislar caso o Congresso delegue tal função e cabe à Administração a REGULAMENTAÇÃO das Leis. O que significa regulamentar uma lei? Muitas vezes uma lei diz (por exemplo), que é proibido trafegar sem uso do cinto de segurança. O infrator está sujeito à multa de X reais e perda de 7 pontos na habilitação. Entretanto, o texto que fala como será a fiscalização, a abordagem e o emprego da multa é o decreto-regulamentador elaborado pelo Executivo. É que a lei não pode ter todos os detalhes, até porque o legislador desconhece o funcionamento dos órgãos públicos. A lei deve ser geral e universal, cabendo ao Poder Executivo (Administração Pública) esmiuçar os detalhes do comportamento das autoridades fiscalizadoras.

Por isso cabe ao Congresso sustar os decretos do Executivo que extrapolem a função de regulamentar e passe a modificar a própria essência da Lei. Esse dispositivo existe para evitar que o Executivo deturpe o sentido e o alcance da lei. Ou seja, o decreto-regulamentador não pode ser contrário à lei, deve apenas complementá-la sem com ela entrar em conflito.

Entretanto, quando os parlamentares entendem por suprimir Poder Executivo e colocar Outros Poderes, o texto além de perder sua precisão, gera incoerência, pois não é função do Poder Judiciário regulamentar nada!

O que acontece, é muito simples. Os evangélicos nada podem fazer contra a União Estável Homoafetiva. Se quisessem ter feito algo contra isso, o momento certo seria 1988. Entretanto, nessa época havia uma forte influência dos ativistas dos direitos humanos em incluir na nossa Constituição uma série de artigos taxados de Direitos Fundamentais. Isso se deu por conta de um movimento mundial que começou no pós-guerra da Alemanha em tentar colocar mecanismos constitucionais que garantissem os direitos mínimos, fundamentais, essenciais a qualquer sociedade, mesmo que esta esteja sob um governo autoritário.

Por isso, nosso Poder Constituinte Originário em 1988 redigiu que nossa sociedade é plural e deverá vedar QUALQUER FORMA DE PRECONCEITO. Pronto, qualquer tentativa contra isso é dar murro em ponta de faca.

Se essa PEC passar o Supremo a declarará inconstitucional. O que os nobres deputados poderiam fazer é mudar o Código Civil colocando a união estável e o matrimônio exclusivo dos heterossexuais,o que ainda assim, seria inconstitucional. Poderiam também tentar suprimir do Texto Maior as expressões que vedam qualquer tipo de preconceito, entretanto, isso também seria inconstitucional e o STF poderia fazer o controle de constitucionalidade prévio ainda com a PEC tramitando no Congresso.

Agora porque o Supremo Tribunal Federal decidiu a favor da União Estável Homoafetiva? Porque a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Lei 12376/2010 ( Antiga Lei de Introdução ao Código Civil - Decreto-Lei 4657/42) diz que, quando houver lacuna na lei, o Judiciário será chamado para integraá-la e resolver a ausência de regulamentação com base na analogia, nos princípios gerais de direito e nos costumes. Foi isso o que o STF fez e não adianta tentar mudar.

Para mim, que não sou filiado a nenhum grupo religioso, é penoso ver setores da sociedade colocando suas crenças acima do bem estar de uma parcela significativa da população. A Bíblia é para quem crê. A Lei é para todos. Não é justo uma tirania da minoria religiosa a impor comportamentos baseados na Bíblia. É preciso enxergar além.

Leon Victor de Queiroz Barbosa
Advogado Constitucionalista, Doutorando em Ciência Política (UFPE)
Pesquisador do Centro de Estudos Legislativos (UFMG)

3 comentários:

  1. Gostei :D nao vou chamá-lo de jornalista...pelo contrário, vou indicar aos meus alunos :D

    ResponderExcluir
  2. Caro Dr. Leon Victor
    Apreciei bastante este seu artigo. Não tenho blog, mas costumo escrever artigos para a Internet a respeito de história http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/a-antiga-dec-ncia-crist Penso que a sua conclusão neste artigo PEC “Evangélica” está muito a propósito do meu. Portanto, resolvi pedir a sua autorização para incluir no meu texto a declaração abaixo:
    Para mim, que não sou filiado a nenhum grupo religioso, é penoso ver setores da sociedade colocando suas crenças acima do bem estar de uma parcela significativa da população. A Bíblia é para quem crê. A Lei é para todos. Não é justo uma tirania da minoria religiosa a impor comportamentos baseados na Bíblia. É preciso enxergar além.

    Leon Victor de Queiroz Barbosa
    Advogado Constitucionalista, Doutorando em Ciência Política (UFPE)
    Pesquisador do Centro de Estudos Legislativos (UFMG)

    A informação é a melhor providência para o bem da sociedade. O meu contato é ivani.medina85@gmail.com

    Saudações,
    Ivani Medina

    ResponderExcluir